quarta-feira, 20 de abril de 2011

Como a falta de limites aos filhos podem transformar esses pimpolhos em tiranos




A cena se repete todos os dias e em todos os lugares onde é possível estabelecer e expandir seu reinado. Bastam apenas alguns berros, algumas estripulias e a guerra está ganha. Os pais pedem, imploram e até ameaçam, mas nada ou ninguém parece detê-los. Sequer sentem-se intimidados. Quando já estão cansados e esgotados, sem forças para resistir, os pais rendem-se à tirania dos desejos dos filhos. “Tudo bem! O que vocês querem? Peçam o que quiserem. Mas só dessa vez, hein!”. A essa altura, a “guerra”, mais uma vez, foi ganha.
A comparação pode parecer um exagero, mas é exatamente assim que acontece. Todos nós já presenciamos aquela corriqueira e conhecida cena que acontece num supermercado, num shopping, numa loja de brinquedos e quem sabe até mesmo na igreja, quando o menino ou a menina deseja algo que os pais não podem ou não querem dar-lhes. A batalha então é deflagrada. A partir desse momento, eles, os filhos, lutam com todas as “armas” que têm e querem: gritam, choram, esperneiam e chegam ao extremo da agressão. Tudo para manter os pais, ou quem estiver com eles, sob o mais absoluto controle. A fim de evitar o constrangimento – ou mesmo porque não sabem o que fazer na hora – os pais ou os responsáveis logo se rendem aos caprichos e manhas dos filhos. A essa altura, o controle e autoridade já viraram lenda, e eles - os filhos - continuam no poder.
Filhos agressivos, rebeldes, insubmissos, teimosos. Por que isso acontece? Há diversos fatores que podem estar em jogo. Contudo, há um que parece, em muitos casos, justificar esse comportamento hostil, desafiador e agressivo: a falta de limites equilibrados que os pais deixam de impor aos filhos. O que fazer? Como reverter tal situação? O que pensam os profissionais da área sobre o assunto? A presente reportagem não tem a pretensão de esgotar o assunto, até mesmo porque é vasto e polêmico. A intenção é a de trazer à reflexão algo que tem preocupado não só os pais, mas os educadores e especialistas sobre o assunto: a falta de limites na educação das crianças. Numa época em que a delinqüência infanto-juvenil é cada vez maior e os valores são cada vez mais relativos, impor limites é algo necessário e urgente. Antes que os pequenos pimpolhos se transformem em pequenos tiranos, e se perpetuem no poder.

Os filhos ontem e hoje
Não é preciso ser um especialista ou um entendido no assunto para afirmar, com toda a certeza, que a relação entre pais e filhos hoje não é mais a mesma como antigamente, e que ela mudou bastante ao longo dos séculos. E não é só isso que mudou. O consenso é geral e não há como negar: o mundo já não é mais o mesmo. Alvin Toffler, autor dos best-sellers O Choque do Futuro e Terceira Onda, afirmou em uma de suas obras: “Tão profundamente revolucionária é esta nova civilização, que desafia todas as nossas velhas pressuposições”. Toffler parece ter acertado em cheio. Valores e conceitos que até então eram considerados sólidos e intransponíveis, hoje são relativos e sujeitos a visão de mundo e dos fatos de cada um. É nesse contexto que as crianças estão crescendo. Para que se possa ter uma idéia de como as coisas mudaram e por que muitas vezes são eles – os filhos – e não os pais que dominam a situação, é necessário retroceder no tempo.


Do matriarcado ao filiarcado
Segundo Luiz Carlos Osório, em seu livro A Família Hoje, no princípio as famílias se organizavam de forma matriarcal, pelo fato de pouco se saber sobre o papel do pai na reprodução. Cabia às mães o dever de cuidar dos filhos e prover-lhes um crescimento saudável. Os homens, não sabendo ainda como cuidar da terra, tinham de ir à procura de alimento enquanto elas cuidavam da casa e das crianças. Mais tarde, segundo Luis Carlos, com o advento da agricultura e, conseqüentemente, o surgimento da vida sedentária, surgiu o patriarcado: o homem passou a ser o chefe da família, o patriarca.
Hoje, segundo Haime e Feiga, autores do livro Assuntos de Família, o que se vê é a era do filiarcado. Ou seja, são os filhos quem mandam e ditam as regras. As mulheres foram inseridas no mercado de trabalho e o cuidado dos filhos foi delegado a terceiros: avós, familiares, babás etc. Muitas crianças também passaram a ficar em creches, escolas, pré-escolas, clube etc., e os vínculos de relacionamento entre pais e filhos foram rompidos. Querendo receber atenção e carinho, eles então começam a fazer uma série de exigências. Sentindo-se culpados por não lhes dedicar tempo, os pais se rendem aos seus caprichos, numa espécie de compensação. Nesse contexto, é quase impossível dizer “não”.


A falta de limites
Segundo aponta os profissionais da área, o principal motivo porque muitos pais não impõem limites a fim de conter as crianças é a culpa. Porque passam a maior parte do dia fora de casa, acreditam que dizer “não” aos filhos pode ser prejudicial e injusto. Em reportagem à revista Nova Escola, a escritora Tania Zagury afirmou: “Os pais de hoje trabalham mais e passam menos tempo com os filhos. Quando chegam do trabalho, ambos estão cheios de culpa pela ausência. Para minimizar este sentimento, tornam-se permissivos, deixando de estabelecer limites e de ensinar o que é certo e errado”. Tânia Zagury é mestre em educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do mesmo estado, além de professora e conferencista na área, com palestras e cursos proferidos e ministrados em todo o Brasil. Ela é também autora de vários títulos, entre eles Sem Padecer no Paraíso, em defesa dos pais ou sobre a tirania dos filhos(Record, RJ, 15ª edição), Educar Sem Culpa, a gênese da ética(Record, RJ, 16ª edição), e Limites sem Trauma(Record, RJ, 28ª edição).
Outra autoridade no assunto é Ivana Brandão, psicóloga e psicopedagoga, que há mais anos lida com a questão. Ela comenta: “Uma das grandes dificuldades dos pais em impor limites aos filhos é a falta de tempo. Porque não têm dedicado tempo aos filhos, acreditam que, se imporem limites à criança, ela será prejudicada e se sentirá rejeitada e não amada. Daí, dão-lhe de tudo numa vã tentativa de suprir essa lacuna. É uma espécie de compensação”. Ivana Brandão é formada em Psicologia pela Faculdade de Ciências Humanas(Fumec) e pós-graduada em Psicopedagogia, com especialização em Educação Pedagógica, que há anos trabalha na área. 

Limites de mais ou de menos
Além da culpa, o medo e a insegurança também parecem ser fatores que pesam aos pais ao impor limites. Muitos foram tão reprimidos e lhes impuseram limites tão severos, que cresceram com a idéia de que se disserem “não” aos filhos ou impor-lhes qualquer outro limite, isso vai prejudicá-los. “Crianças criadas num ambiente onde tudo pode, onde tudo é permitido, não aprendem a conviver com os outros. Elas se tornam inseguras e desorientadas”, diz Susie Meire Valadão Cintra, psicóloga e psicopedagoga, formada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Susie Meire é esposa do pastor Kaiser Vasconcelos, pastor-líder do ministério da Rede de Adolescentes da Igreja Batista da Lagoinha, e com ele trabalha no ministério. Ela ainda vai mais longe: “Essas crianças, quando atingirem a fase adulta, procurarão por alguém que lhes imponha limites e exerça autoridade”.
O oposto também pode acontecer. Porque foram tão oprimidos e receberam uma educação tão severa, os pais tendem a repetir modelos, porque não sabem fazer outra coisa, ainda que involuntária e inconscientemente. “Só podemos dar aquilo que recebemos”, diz Suzie Meire. Segundo ela, uma criança criada num ambiente assim, ou em qualquer outro lugar, dificilmente fará o que tem que ser feito com amor. Ela o fará por obrigação: ‘Tenho de fazer, senão...’” 

Conflito de limites
Outro problema que parece surgir nos lares é a dúvida quanto ao que é melhor para os filhos, o que pode e o que não pode. Ora os pais proíbem, ora liberam. Ou, ainda, o pai deixa e a mãe não, e vice-versa. Por quê? Ao que tudo indica, o primeiro motivo é o conflito de autoridade. Em muitos lares onde os pais não se entendem, impor limites é quase impossível, e a criança é a mais prejudicada. Cada um dá ao filho o que acredita ser melhor. Com isso, a criança tende a desenvolver dois tipos de comportamento: ou elas aprenderão que obedecer é algo relativo, ou então aprenderão, desde cedo, a manipular um dos pais para obter o que deseja. Ivana Brandão afirma: “Apregoou-se que não se deve dizer ‘não’ aos filhos, que eles devem ser livres nas suas atitudes, escolhas e decisões. Surge o grande conflito: como educar os filhos? Com ou sem limites? Como prepará-los para a vida?”
Um segundo motivo em relação à imposição indefinida de limites é a confusão e a falta de orientação. Segundo os psicólogos clínicos, doutores Henry Cloud e John Townsend, “o conflito em relação aos limites acontece devido à confusão a respeito da criação dos filhos ou mesmo por problemas pessoais, aonde os pais mesclam limites rígidos e relaxados, acabando por enviar mensagens conflitantes aos filhos.” Conforme ainda Cloud e Townsend, famílias de alcoólatras costumam exibir esse tipo de comportamento. Os doutores Henry Cloud e John Towsend são autores da série de livros Limites, onde abordam o assunto não só em relação ao casamento, como também na relação entre pais e filhos. Entre suas obras, destacam-se Limites Para Ensinar aos Filhos e Criando Filhos Vencedores(Editora Vida). Esse último trata do desenvolvimento do caráter nos filhos e como fazê-lo.
Quando fazer tudo não basta
Cada vez mais, pais têm procurado ajuda de profissionais, conselheiros ou quem possa socorrê-los para tratar de um comportamento que tem sido cada vez mais comum em crianças na mais tenra idade: a rebeldia, que muitas vezes se traduz em agressividade. Sem nenhuma causa aparente e sendo criados sob limites equilibrados, os filhos apresentam um comportamento, no mínimo, questionável, com gritos, socos, murros, palavrões e atitudes ferinas, sarcásticas e desafiadoras.
Os motivos que justificam esse comportamento podem ser muitos, assim como a maneira em que a questão é tratada. Há aqueles que, num gesto de passividade ou por não saberem como agir, acreditam que tudo é normal, que é uma fase, e que logo passará. Há outros que, por medo, desconhecimento ou temendo perder a autoridade, acabam agindo com brutalidade e violência. O difícil é manter o equilíbrio nessas horas. Charles R. Swindoll, no seu livro Você e Seu Filho, orientação bíblica para pais que desejam criar filhos confiantes da infância à independência(United Press, SP, p. 98), tratando do assunto, afirma: “Deve haver bem-querer. Deve haver instrução. Deve haver um espírito de sensatez na administração da disciplina. É o que poderíamos chamar de disciplinar com dignidade
Muitos, porém, podem questionar: “E quando fazemos todo o possível e nada parece acontecer, nada parece mudar? Pelo contrário, só piorar?” Segundo Neil T. Anderson e Steve Russo, no livro A Sedução dos Nossos Filhos(Ed. Betânia, BH/MG), há fatores espirituais envolvidos. Para eles, ingredientes como desenhos, filmes, livros, videogames e até currículos escolares, carregados de mensagens muito bem elaboradas, podem estar influenciando o coração e a mente das crianças. Esses ingredientes apresentam mensagens tendenciosas que levam as crianças a agir agressiva e violentamente. “Precisamos estar cientes da natureza espiritual do mundo em que vivemos. Nossos filhos estão crescendo num mundo sedutor. Muitas das coisas que nos cercam são sutilmente influenciados pela Nova Era, pelo ocultismo e pelo satanismo. Precisamos definir estratégias para proteger nossos filhos de ataques espirituais e ajudá-los a resolver seus próprios conflitos espirituais”, afirmam.

Recuperando o reino perdido
O que fazer para recuperar a posição de autoridade? Como realmente impor limites equilibrados a fim de que a criança entenda quem realmente manda em casa? “A prevenção sempre foi o melhor remédio”, diz Susie Meire. “O ideal é que, desde cedo, se invista nos filhos, estabelecendo a eles limites, para que mais tarde, sejam maduros. Quanto mais cedo os pais investirem nos seus filhos, estabelecendo-lhes limites claros e equilibrados, mais cedo aprenderão até onde podem ir. Aprenderão a respeitar a si mesmos e aos outros. Tornar-se-ão adultos maduros, que saberão tomar suas decisões de maneira sábia e também administrarão seus problemas”. Ela diz ainda que muitos pais só percebem o problema quando os filhos já são adolescentes. “O primeiro passo”, sugere ela, “é a mudança de atitude”.
O passo seguinte, segundo ela, é a demonstração de amor. “O momento agora não é o do chicote, mas o do conselho”, explica Susie. Uma vez que muitos desses adolescentes foram criados sem limites ou com limites em demasia, eles se sentiram abandonados e menosprezados, como se ninguém ligasse para eles, pois tudo o que faziam não tinha a menor importância para os pais. Ela aconselha: “É o momento de os pais mostrarem a eles as conseqüências de suas escolhas”.
O último passo apontado por Susie Meire é a procura por parte dos pais por ajuda de fora, particularmente de um profissional. “O adolescente, nesta fase, valoriza mais as palavras de um amigo do que a dos pais”, diz ela. E explica: “Na fase da adolescência, a tendência de ele se juntar ao grupo é muito grande, pois está à procura de sua identidade e de sua auto-afirmação. Ele quer saber o que o mundo e os outros pensam a seu respeito, e não os pais. A ajuda pode vir de profissionais ou de amigos de sua confiança, que lhe possam oferecer sábios e úteis conselhos”.

Juntos, mas cada um no seu lugar
Um dos mais graves problemas em relação aos limites parece surgir quando os pais deixam de assumir o seu papel e transferem a responsabilidade da educação dos seus filhos para terceiros, omitindo-se. A criança encara esse comportamento como abandono e falta de interesse. E quando a responsabilidade é jogada para outros, é difícil acompanhar todo processo. “Cada um, tanto o pai quanto a mãe, tem o dever de, juntos, ensinar ao seu filho o melhor caminho a ser seguido”, comenta Susie Meire Valadão.
Ivana Brandão acredita que o diálogo é o melhor caminho. “É muito importante que os pais, ao tomarem qualquer decisão, sempre que possível, devem fazê-lo em conjunto, com o filho presente, principalmente naquilo que lhe diz respeito”. Ivana ainda traz uma informação reveladora, que parece traduzir bem a realidade dos pais hoje em educar os seus filhos da melhor maneira. Segundo ela, muitos que a procuram, angustiados, desabafam: “Não sabemos se são os nossos filhos ou se somos nós que precisamos de ajuda”. Susie Meire também é enfática: “Quando se trata de limites, a questão principal é: o que eu quero ensinar para o meu filho?”

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