sexta-feira, 22 de julho de 2011

Quando a Criança Precisa de Psicoterapia?

Na maioria das vezes, psicoterapia está associada com atendimento para adultos, que pode acontecer por uma demanda específica ou para o processo de auto conhecimento. Quando o cliente chega com uma queixa específica, o tratamento psicológico, torna-se indicado em qualquer faixa etária, legitimado por um motivo especial.

A criança, assim como o adulto, é um ser complexo, que sente, sofre, age, reage, e ao mesmo tempo possui suas particularidades, pois está no mundo em pleno processo de desenvolvimento biopsicossocial, de forma muito mais acelerada do que o adulto. A criança está em meio a uma rede de relações que desempenham importante papel na construção do seu crescimento como pessoa.

Assim, quando algo não vai bem em alguns desses laços a criança facilmente sente-se afetada, principalmente porque essa rede ainda se constitui muito frágil para ela. Seja na relação com os pais, com outros familiares, com a escola, com amigos diversos e até com ela mesma, as diversas mudanças que vão ocorrendo em sua vida são suficientes para que ela se desestabilize, o que é esperado de qualquer ser humano em formação. Nem sempre a criança consegue estar no mundo, em meio às mudanças, sejam elas esperadas ou não, podendo lidar bem, reagindo de forma livre, atuante, ou seja, aprendendo com isso, a lidar melhor com situações mais complexas em sua vida.


A criança se isola, se fecha, agride ou adoece, de alguma forma reage a tal situação, sofre, e não consegue entender o que está acontecendo com ela.

As queixas mais comuns são aquelas que advém de comportamentos que não são socialmente aceitáveis, como por exemplo a criança dita agressiva, que bate em seu colega com ou sem razão. Geralmente a escola é o primeiro segmento a tentar lidar com essa situação, mas as questões que envolvem esse tipo de comportamento transcendem às questões puramente educacionais. Os mais diversos motivos estão presentes para a criança estar no mundo reagindo dessa forma: pode ser a separação dos pais, um irmãozinho novo que vai nascer, algum segredo de família que lhe diz respeito, como por exemplo, ser adotado, dentre outros. A criança que agride está expressando ao mundo sua indignação sobre algo que, muitas vezes, apenas sente sem saber clarificar o que a faz sofrer. Esse foi o modo que ela encontrou para externar e devolver ao mundo seu sofrimento.

Também pode ocorrer dos pais procurarem auxílio quando seu filho adoece muito, principalmente sem razão aparente. Primeiramente os pais levam a criança ao pediatra para tratar da possível doença, mas o profissional percebe que essa criança adoece em determinadas circunstâncias e que, o desencadeamento do processo de adoecer não possui um agente tão expressivo quanto a própria estória que aquele paciente sugere. Nesse caso, são comuns as doenças respiratórias, vômitos e dores de cabeça sem uma enfermidade orgânica que justifique tais sintomas. Por isso o médico que acompanha o desenvolvimento dessa criança indica um psicoterapeuta. Como na situação anterior, a criança está expressando algo, se colocando da maneira que pode frente a fonte de estresse, mas neste caso, o espaço utilizado é o próprio corpo, dirige o sofrimento para dentro de si.

Já as crianças que reagem se isolando, estas demoram a chegar no consultório porque se passam por crianças muito educadas, quietas e tranquilas. A comunicação que fornecem ao mundo é: Não me revelo, não me coloco. Elas são as mais difíceis para o psicoterapeuta lidar, geralmente o processo psicoterápico leva mais tempo, pois há pouca troca, pouca expressão por parte da criança. A psicoterapia ocorre em um ritmo mais lento. O psicoterapeuta terá que ter mais paciência, para aproveitar ao máximo tudo o que essa criança conseguir revelar, trabalhando sempre no sentido de ampliar sua expressividade o melhor possível.

Ao contrário do que o senso comum pensa, a criança dita agressiva é mais acessível para o psicoterapeuta tendo uma resposta mais rápida, pois se expressa, se coloca e se relaciona com o mundo de um modo mais aberto.

Nas situações descritas acima a criança chega ao consultório por uma demanda específica, algo que salta aos olhos dos familiares. E os motiva a buscar o psicoterapeuta para cuidar da situação já instalada, sob o cunho da ação curativa, isto é, sanar algo que não está indo bem.

Por outro lado, a criança é um ser que está se desenvolvendo, se abrindo a um mundo de possibilidades, descobrindo e construindo o seu jeitinho de ser e o seu papel no mundo. A sua responsabilidade cresce a cada dia bem como o ganho da autonomia, na mesma proporção em que já não precisa mais de tantos cuidados como antes. Com tudo isso acontecendo é bastante salutar e porque não dizer, preventivo, a ação psicoterapêutica nesse momento tão importante da formação do indivíduo.

Seja com um adulto ou com uma criança, a psicoterapia trabalhará visando como este ser se coloca no mundo, para que ele possa se perceber como indivíduo que se afeta e afeta o outro e, a partir daí, possa construir um sentido mais apropriado para si, com mais auto respeito e criatividade. A psicoterapia existencial leva em conta esta forma de ver o ser humano e também está sempre atenta a singularidade do ser. Propõe um trabalho em que esteja presente a responsabilidade como fator fundamental no processo de conscientização do indivíduo sobre si mesmo, para então tornar-se agente do seu processo psicoterápico interagindo com o seu psicoterapeuta e futuramente agente de sua vida.

O que há de mais particular nesta abordagem é que ela se utiliza do método fenomenológico de Husserl. O psicoterapeuta trabalha com o fenômeno que se apresenta sem julgá-lo ou interpretá-lo, partindo sempre do geral para o particular. Ou seja, a criança chega ao consultório com sua história de vida, apresentando muito mais do que um sintoma, apresenta a si da única forma possível para ela estar no mundo no momento. O psicoterapeuta presentifica esse estado para ela e busca a particularização do fenômeno colocado. Desse modo, não se trabalha relações de causa/efeito com a criança. Pois essas não modificam o que se sente, muito menos apontam para soluções. Portanto, a psicoterapia existencial não trabalha com sistemas classificatórios, com enquadres que sugiram qualquer tipo de rotulação ou julgamento.

A ludoterapia (psicoterapia para crianças) na abordagem existencial, trabalha com a criança levando em conta como ela está se revelando para si e para o mundo. O tal problema específico, é uma dentre as várias formas dessa criança estar existindo. Ao abranger toda a estória desta criança, seus sentimentos, conceitos, forma de agir, enfim, tudo o que lhe diz respeito e não somente um sintoma expresso, torna-se possível uma ação mais integrada, afetando a criança como um todo.

É claro que o alcance de autonomia da criança é bem diferente do adulto, pois ela ainda precisa muito de sua família tanto como provedora das necessidades básicas como para seu desenvolvimento emocional. Mas isso não impede que ela cresça com mais iniciativa e independência naquilo que lhe compete, conforme sua idade.

A resolução de um tal problema específico se torna secundária e muitas vezes ocorre como se sumisse naturalmente. Na verdade, ao trabalhar os diversos aspectos da criança, quando ela começa a tomar conhecimento de si e de como se relaciona com o mundo, e aprende a distinguir seus sentimentos e expressá-los melhor, torna-se mais livre, mais responsável, considera um leque maior de possibilidades para existir nos diversos espaços do mundo. Então aquilo que a estava afligindo pode ser visto de uma nova forma, resignificado, mais flexível, menos cristalizado, ou seja, com sua criatividade fluindo e colaborando com ela.

A ludoterapia é um processo que exige um grande trabalho de ambos. Psicoterapeuta e criança trilham um caminho cheio de encontros, desencontros, brincadeiras, escorregadas em alçapões, confrontos com bicho-papões, medo do escuro, viagem gostosa por uma grande floresta de surpresas, passagem por portas de emoções que levam para infinitos caminhos. Sem dúvida, uma estória fascinante, com a presença de personagens importantes e dois roteiristas fundamentais. Constroem nesta aventura uma relação de respeito mútuo e grande aprendizado para cada um e desejando sempre um final o mais surpreendente e feliz possível.

Psicóloga Gabriela Bessa

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