quarta-feira, 16 de março de 2011

OS PERIGOS DA ADULTIZAÇÃO INFANTIL



“As crianças podem esquecer o que você disse...mas nunca vão esquecer o que sentiram.” Carl W. Buehner


“Tudo o que será aprendido deve ser disposto segundo a idade, para que nunca se ensine nada que não possa ser compreendido”. (Comenius – Didática Magna)

“O aprendizado depende do nível de desenvolvimento do indivíduo. Ele não pode aprender o que suas estruturas cognitivas ainda não podem absorver” (Piaget).

“Quando eu era criança falava como criança, sentia como criança, discorria como criança” (1 Co 13.11).

INTRODUÇÃO
Hoje em dia, as crianças estão se comportando como se fossem “pequenos adultos”. Cada vez mais cedo, elas assumem responsabilidades, disputam posições em determinadas atividades, buscando múltiplas competências. Desprotegidas, recebem de forma direta a influência de uma sociedade que exige seres perfeitos.
Como se isso não fosse bastante, muitos pequenos sentem o peso das exigências de “gente grande” como a falta de dinheiro ou o problema do desemprego na família.
Esse seminário tem por objetivo questionar a adultização da criança nos dias atuais, discutir suas principais causas e consequências, e apontar a necessidade de mobilização de toda sociedade, especialmente a cristã, a fim de resgatarmos a infância perdida de nossas crianças. O que podemos fazer como cidadãos, pais e educadores cristãos, diante desse processo de adultização da infância? Afinal, o que é infância?

I. A INFÂNCIA CONSIDERADA HISTORICAMENTE
1. A infância na Idade Média.
Até o século XVI, as crianças eram vistas como “adultos em miniatura”; símbolo da força do mal; um ser imperfeito esmagado pelo peso do pecado original, ou simplesmente um companheiro natural do adulto.
Neste sentido, a infância era concebida apenas como um percurso para a vida adulta. Uma visão negativa, pois, nesta idéia, a criança seria um ser inacabado; sem nada específico e original, sem valor positivo.

2. A infância resgatada nos tempos modernos.
No decorrer da história da infância aconteceram diversas transformações do pensamento social em relação á família e á própria infância. A partir do século XVI começa a surgir na sociedade o sentimento e a idéia de infância. A criança, antes relegada ao último plano, passou a conquistar seu espaço social. Desde então, surgiram várias pesquisas fortalecendo o reconhecimento cultural dos pequenos.
Dentre os pesquisadores, Jean Jaques Rousseau (séc. XVIII) merece notoriedade. Em sua obra “Emílio”, na qual defendeu a criança como detentora de uma natureza própria que deve ser desenvolvida, assim asseverou: “A infância é, também a idade do possível. Pode-se projetar sobre ela a esperança de mudança, de transformação social e renovação moral”. E tal visão, perpetuou-se ao longo dos tempos ainda que de forma não linear.

3. A infância nos dias de hoje.
A idéia de infância ressurge fortemente com a sociedade capitalista, urbano-industrial, na medida em que muda a inserção e o papel social desempenhado pela criança na comunidade.
No decorrer dessas transformações e devido ao amadurecimento do pensamento social, a criança passou a conquistar seu reconhecimento na sociedade. A segunda metade do século XX é considerada o período da legitimação do direito da criança. Ela deixa de ser uma “criança-adulto”, para ser um sujeito social. Todavia, é preciso destacar que junto a essas conquistas de reconhecimento dos direitos da criança e sua valorização surgiram também determinadas condições. A mesma sociedade que legitima esse ser social usa de poder para manipulá-lo e sujeitá-lo às novas correntes de pressão social. O cenário da criança hoje, devido a diversas circunstâncias, aponta para uma infância a caminho do desaparecimento. Uma fase que após anos de construção, encontra-se em processo de extinção.

II. OS VILÕES DA INFÂNCIA
Durante muitos séculos a sociedade agiu de maneira indiferente com relação à infância. As crianças, de maneira muitas vezes sutil ou subliminar, são pressionadas a serem pequenos adultos. Imitam hábitos e costumes dos adultos e muitas vezes já nem sentem alegria pela infância, seu desejo é alcançar a maioridade.
1. As mídias, de modo geral. Em se tratando de poder, as mídias são atualmente fortes instrumentos de influência e manipulação na educação e construção desses novos seres “adultizados”. No Brasil, as músicas que as crianças cantam, não são mais tão infantis. As maquiagens, roupas e calçados copiam o adulto como se os gostos fossem os mesmos. As danças sensuais e canções com palavras obscenas já fazem parte do repertório preferido dos pequenos. Meninas usam roupas e objetos que estimulam a sexualidade precoce, assistem aos mesmos programas de televisão e falam a mesma linguagem dos adultos. Garotinhas usam salto alto e meninos de apenas cinco anos de idade já querem se vestir como adultos e já não aceitam usar roupas que possuam qualquer desenho infantil que os faça parecer crianças. Abraçar e pegar na mão do filho é considerado motivo de vergonha. Crianças trabalham e apresentam programas de televisão.
2. Videogames e filmes. Os jogos infantis também mudaram, a diversão agora são os videogames e os filmes repletos de violência. Os brinquedos já vêm prontos, tudo é industrializado, só é preciso manusear. Campeonatos infantis é atração para os pais, que cobram dos filhos ótimos resultados de placar. E quanto a alimentação não há mais distinção entre o lanche do adulto e da criança, todos devem saborear os deliciosos "hambúrgueres" em qualquer tempo. Sem falar da literatura infantil que também está mudando. Até as ruas que antigamente eram lugar de socialização, hoje refletem a falta de relacionamento e interação entre pessoas.

III. REAIS OBJETIVOS DA ADULTIZAÇÃO
Mas afinal, qual a razão de se negar às crianças a alegria das brincadeiras espontâneas? Por que lhes podar a criatividade de fabricarem seus próprios brinquedos? Qual o motivo da sociedade aplaudir tudo isso como se fosse algo natural?
1. Interesse econômico. O fato inegável é que há um interesse econômico por detrás desta realidade. Uma intenção que possui um objetivo: educar as crianças a serem consumidores em potencial. Educar para o consumo e para a submissão de idéias. Produzir consumidores mirins que satisfarão cada vez mais os desejos desse sistema que insiste em condicionar o verdadeiro sentido da infância ao status, dinheiro e mecanização. As crianças estão sendo pressionadas a crescerem depressa, quando na verdade deveriam respeitar seu processo de desenvolvimento, pois não pensam, não sentem nem aprendem como os adultos. Elas precisam de tempo para crescer e pressioná-las a viver como adultas só produzirão seres com dificuldades, inseguranças e conflitos no futuro.

IV. ADULTIZAÇÃO NO ÂMBITO DA IGREJA
1. Cantores, pregadores e mestres mirins. Muitas crianças têm perdido a infância por conta de certos “educadores” que no intuito de realizarem nelas o que gostariam para si mesmos, podam-lhes a alegria, a imaginação, a inventividade e o divertimento. Às vezes, são pais que gostariam de ser cantores, pregadores ou professores de escola dominical, mas que por falta de vocação natural, ou até mesmo de uma chamada divina específica, projetam nos filhos, seus sonhos ou objetivos não-realizados.
Quem nunca viu um menino com menos de dez anos vestido de terno e gravata, cantando, pregando ou dirigindo um culto. E na escola dominical, quantas meninas e meninos são colocados à frente de uma turma, quando na realidade, deveriam estar aprendendo em uma classe de sua faixa-etária.

V. O QUE É SER CRIANÇA? O QUE DIZ A PEDAGOGIA ATUAL?
Na verdade, o que se fala hoje a respeito da infância não condiz com a realidade das nossas crianças, nem com o que fazemos com elas.
É preciso resgatar a verdadeira infância, na qual há um mundo de fantasia, imaginação, criatividade e brincadeiras. Aqui entra o papel do pedagogo cristão, pois como estimulador do conhecimento, poderá trazer para o espaço da escola dominical desafios e valores que conduzam seus alunos a descobrirem a verdadeira identidade da criança segundo os ensinamentos da Bíblia.
Poderá trabalhar dentro dos estágios de desenvolvimento da criança, incentivá-la na leitura da vida e não apenas da palavra, estimulando-a a ler nas "entrelinhas" e a constituir-se como um cidadão capaz de transformar sua própria realidade. Como educador evangélico poderá também questionar junto aos educandos a postura das mídias e se posicionar como um instrumento iluminador de pensamentos e idéias.
Aqui entra a intervenção dos pais, professores de escola dominical, pastores, e de toda a sociedade, que precisa romper com os muros do doutrinamento consumista. Devemos exigir dos setores sociais, inclusive da própria família, da igreja e dos setores de comunicação, uma educação que valorize mais o ser do que o ter. Uma censura a ser respeitada, digna do público infantil e até a criação de um código de defesa do telespectador ou leitor de mídias. É preciso acreditar numa educação de qualidade para todos, a qual prepare as crianças para conhecer, fazer, ser e conviver.

CONCLUSÃO
A história da criança não deve retroceder a um passado de isolamento, e sim estabelecer-se como a história de um sujeito possuidor de direitos, inclusive o direito de voz e o de não ser manipulado pelos adultos. Está-nos proposto o desafio: protegeremos a infância ou continuaremos a reproduzir os interesses de um sistema que insiste em nos dominar?


Pr. Marcos Tuler

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