terça-feira, 15 de maio de 2012




“Os filhos são herança do Senhor...” Salmo 127:3

Da janela do meu quarto vi a cena triste. Um jovem na rua gritando um impropério em direção a um dos edifícios: “Eu lhe odeio, seu ...”.

Movido por uma fúria incontida, certamente justificável para ele, o jovem vociferava sua frustração na direção do pai, com quem, minutos antes, havia tido uma violenta discussão. Incapazes de se entender naquele instante, pai e filho não conseguiram deixar fluir o amor de seus corações. Restou o ódio de um e a mágoa do outro. 

Que relação é esta que deixa aflorar o pior e o melhor entre pais e filhos? Será que as histórias bíblicas como a de Davi e Absalão e a tragédia “Rei Lear” de Shakespeare precisam ser repetidas à exaustão por pais e filhos?

Aproveito-me, por mais paradoxal que seja em um dia comemorativo às mães, para expandir um pouco mais o tema, pensando sobre pais (pai e mãe) e filhos, perguntando: “E a família, tem futuro?”.

Nenhuma relação – depois da própria relação conjugal – é tão marcada por idealizações e expectativas como a relação entre pais e filhos. Via em regra, os pais se projetam nos filhos e os filhos se vêem no dever de “ser como” os seus pais.

Em condições normais de “temperatura e pressão atmosférica” os filhos surgem em uma família como continuidade do amor conjugal. Não devem ser – e não são! – solução para o esgotamento da relação homem-mulher, mas sinal da vitalidade e maturidade dela. 

Por conseguinte, filhos são o legado que deixamos para a vida e queremos que este legado fale muito bem de nós no futuro. Desejamos que os nossos filhos digam ao mundo: “Vejam de quem eu vim!”...“Olhem a obra prima dos meus pais”.

Talvez os pais que desejam muito o reconhecimento de todos pelo seu excelente trabalho como pais – e isto enquanto estão vivos, porque “homenagem boa é enquanto a gente pode ver!” – estão mais preocupados com sua própria imagem. 

Por outro lado, aqueles que não se importam de que isto aconteça quando eles daqui partirem, talvez estejam, corretamente, mais interessados no bem estar dos próprios filhos e dos filhos dos seus filhos. Assim, os filhos perpetuam os pais e não são apenas apêndices futuros das projeções deles. 

O fato é que motivações puras – e outras nem tanto – estão sempre presentes em cada reprimenda, exortação, correção, orientação, demonstração de carinho, de apreço e de amor dos pais. É preciso sondar os próprios corações, se quisermos ser honestos com nós mesmos e com os filhos, para quem sempre afirmamos: “Eu sempre quero o seu bem”. Será?

Não seria isto que a Palavra de Deus quer dizer ao exortar pais a "Pais, não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os na disciplina e nas admoestações do Senhor." (Efésios 6:4)? De modo que, criar é nutrir, orientar, disciplinar, mas jamais tiranizar o filho.

Por outro lado, é preciso que filhos compreendam que o natural e desejável “grito de liberdade” da identidade adulta não precisa ser em estado de revolta. Que é possível diferenciar-se dos pais – a própria razão da identidade pessoal madura – sem o doloroso e ingrato: “Eu não tenho nada a ver com meu pai ou com minha mãe”.

Afinal, o único mandamento com promessa dado por Deus como expressão do caráter que devemos ter é exatamente aquele que afirma que o bom futuro reservado aos filhos tem raízes fincadas na história e seus relacionamentos com seus pais: "Honra teu pai e tua mãe, a fim de que tenhas vida longa na terra que o Senhor, o teu Deus, te dá" (Êxodo 20.12).

Desde que nascemos aprendemos a ser nós mesmos por contraste ou comparação com os outros, especialmente com as figuras primárias – pai e mãe ou quem as represente. Por isso, é possível e até desejável, admirar e imitar o que é virtuoso nos pais, como também evitar e diferenciar-se do que é vicioso nos pais.

Talvez a melhor atitude seja simplesmente a de Cordélia que, mesmo contrariando as expectativas do rei Lear, afirma que o ama "como corresponde a uma filha, nada mais, nada menos". E amar aos pais nunca será de mais, nem jamais de menos!

A cena que vi na janela não terminou da forma que a descrevi. Dias depois, vi o mesmo rapaz abraçado ao pai como dois amigos, sendo que o filho já mais alto do que o pai parecia, ao mesmo tempo, ampará-lo e amparar-se nele, como convém a pais e filhos. 

Assim, esta família tem futuro!

Com carinho,
Robinson Grangeiro

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